quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Uma Cartografia do Bom Caminho!Minha caminhada no Sacramento do Santo Daime!

Sou de uma geração de demarcações: "não podia antes?Agora eu posso" " Diretas...de Reitor a Presidente";" Para nunca calar,nem consentir"; " Teu grito acordaria não só a tua casa,mas a vizinhança inteira". Sou uma mulher do meu tempo: com treze anos me filiei a um partido político, lutei pelo voto aos 16 anos, militei nos movimentos sociais, conduzi minhas relações pessoais fora das convenções e neguei qualquer posasibilidade religiosa como legítima( afinal, com tantas seguranças científicas para o pensamento,porque me afixar no indecifrável: inseguro e místico?),embora a autocrítica sempre me fizesse reconhecer a limitação que meu instrumental de concepção de mundo possuia.Sabia que meu instrumental materialista dialético marxiano explicava a esfera das relações sociais e de produção na sociedade capitalista e pouco se aplicava para a observação das possibilidades particulares acima da massificação das categorias gerais dos objetos.E foram os dois estudiosos marxistas mais ferrenhos que conheci: Mauro Luís Iasi e Luís Carlos Scapi que demonstraram nos estudos desenvolvidos para as turmas de formação de monitores do NEP 13 de Maio de São Paulo as possibilidades da singularidade como prática legítima da liberdade na superação crítica da massificação de consciência.Foi com esta pista que desvendei os caminhos da minha própria necessidade de olhar para dentro, quando uma definitiva e enorme mudança física alterou minha posição no jogo do mundo.Voltar ao "mundo dos vivos" como estudante do Curso de Filosofia da UFPel foi um grande encontro comigo mesma e com a minha sensibilidade violentada pela concretude do mundo real a ponto de debilitar-me fisicamente.A disposição de ingressar respeitosamente em uma esfera cujas regras fiz questão de desconsiderar qualquer importância me fez reconhecer as possibilidades de boa síntese que me ofereciam os que negava ouvidos.Já no primeiro semestre,minha identidade mais forte era com "blocos teóricos" muito distantes das minhas referências iniciais.Uma companhia em especial me conquistou pela dedicação à tarefa de dirigir nossa formação no espaço acadêmico e pela solidariedade humana com que se disponibiliza às nossas formulações: o professor Manoel Vasconcellos. Este professor tem a árdua missão de nos colocar em contato com o período medieval da filosofia,sobre o qual trazemos muitas " verdades" descabidas e preconceitos formulados.Embora o trabalho deste educador me fosse muito caro e reconhecido, eu continuava refratária à leitura do autor que ele trabalhava naquele semestre: Santo Anselmo de Aosta. Estudávamos a obra sobre a Concordância entre a Preciência,o Livre-arbítrio e a Graça e eu não conseguia estabelecer qualquer empatia com qualquer proposta do texto.
 Neste mesmo período,frequentava um espaço chamado "Mate com Poesia" na casa do Bira Cunha, onde conheci o Padrinho  Eduardo Burgueño como um frequentador assíduo que partilha do seu amor pela literatura solidaria e alegremente com os que o cercam.Conhecer o Eduardo como admirador da literatura antes de vê-lo como uma liderança religiosa foi fundamental para aceitar seu convite para participar da minha primeira experiência no sacramento do Santo Daime.
 Na ocasião de minha primeira miração levei para a minha meditação como pergunta principal a seguinte: " Por que, embora respeite e participe do esforço do Professor Manoel em nos apresentar a obra de Anselmo de Aosta, não consigo acessar qualquer conteúdo apresentado por este autor?- Meu Deus, deve ter algo neste autor que justifique a dedicação deste educador ao seu estudo. E como confio no critério deste mestre, quero acessar o conteúdo que me traz, mas só consigo rechaçá-lo...
Logo na segunda hora de meditação silenciosa a rsposta vem num fluxo incontrolável de pensamento apresentada num questionamento que me convocou à mudança de referencial para superar meu problema:
Anselmo era um cristão exemplar, para ele nada poderia ser mais importante e digno do que o caminho para Deus,dispondo-se ele mesmo fazer este caminho dedicada e criteriosamente.Porém,ocupou-se tão cuidsadosamente de percorrer o seu caminho no acesso do conteúdo racional que o levasse a Deus, que esqueceu-se que mais importante que o acesso racional que o faz "provar"a existência de Deus, seria oferecer o seu "sacro-ofício"singular como caminho para acesso de tantos quantos quisessem percorrê-lo. Anselmo ama tanto a Deus como objeto da sua filosofia que não fala de si.Não considera importante o seu próprio caminho e sim o resultado que obteve como conteúdo. Não estarás cometendo o mesmo erro te detendo apenas ao conteúdo?O teu próprio papel não poderá ser oferecer o "sacro-ofício" da tua experiência como "cartografia" para teus iguais?Quem sabe tentas encontrar o Anselmo singular que se oferece ao invés de julgar o conteúdo por ele apresentado.
 Foi uma tomada de consciência impactante:a leitura de desvelou para mim, pude encontrar anseios humanos e legítimos na obra sugerida depois desta experiência.
A caminhada posterior na enteogenia foi no reforço desta possibilidade:viver a minha melhor experiência no sentido de provar a sua possibilidade apenas como exemplo singular, sem pretensões de generalizações inúteis,uma vez que o caminho da individuação e da religação é único e intransferível.
Os períodos posteriores a esta primeira vez no Daime foram de reforço dos vínculos e frequência regular nas reuniões de concentração e celebrações.Nos últimos 6 meses é que manter a presença física ficou cada vez mais difícil,porém,no último 30 de novembro, durante a sessão de concentração o fluxo de pensamento exigiu um registro, como que para ser lembrado, durante a própria miração escrevi a seguinte instrução, lida ao final dos trabalhos para conhecimento e orientação de todos os que se sentissem sensíveis a ela:

"O teu caminho é o das palavras e do teu filho.Cuida da tua família, realiza os teus desejos mais sinceros e tudo te será dado. Não duvida nunca da tua capacidade de amar. Sê grata e dedicada que a recompensa e a greatidão serão tuas.O mais precioso já tens no teu ventre da alma. Dá valor a este bem em vida.Depois de ti mais ninguém o terá.As tuas cores são só tuas, ninguém mais terá duas vidas para presenciá-las. Busca o saber do teu azul e registra.Te espelha nas flores;elas te darão até os meios materiais para ser-lhes aprendiz e professora. Ama,pois o amor vai te dar a pergunta e a resposta. Respeita, preserva,te aconchega na tua casa, te faz protegida. Confia, que nunca estás só.Te faz merecedora e tudo te será dado".